Ghost Interview
Sal Khan em 10 minutos!
Faz 12 meses que os assuntos “ensino à distância” e “aula online” entraram de vez no nosso vocabulário. Tiveram perrengues, mas também muitos aprendizados quando falamos do assunto, tanto que, para os entendidos do setor, nós evoluímos “10 anos em 1” na adoção do digital no ensino. A questão que fica agora é: para onde o mundo da educação está rumando? Por isso, o Ghost Interview foi atrás do mesmo cara que Bill Gates, Carlos Slim e Elon Musk foram para responder essa pergunta: Sal Khan, o pioneiro do ensino à distância e fundador da Khan Academy.
Sal, a Khan Academy virou um símbolo de como se ensinar online, e se tornou uma ONG investida por grandes nomes. Mas, diz para a gente, como surgiu a ideia de colocar aulas na internet?
Uma sobrinha minha de 12 anos começou a ter problemas em matemática na escola e eu ofereci ajuda. Isso foi em 2004. Eu morava em Boston, e ela morava em Nova Orleans. Então, começamos a falar por telefone e pela internet. O processo ajudou, e o aprendizado dela em sala foi se acelerando. Depois eu comecei a trabalhar em ferramentas para ajudá-la. A Khan Academy surgiu de uma tentativa de simplesmente ajudar meus sobrinhos na escola. Comecei com ela, depois passei a ajudar os irmãos dela.
Em 2005 registrei o domínio do Khan Academy na internet, passei a postar os vídeos com as aulas, meus amigos começaram a assisti-los e divulgá-los. A coisa ganhou escala e o mundo inteiro começou a assistir os vídeos e fazer os exercícios [hoje a plataforma educativa traz 100 mil exercícios de matemática e quase cinco mil videoaulas sobre várias disciplinas].
(Entrevista à Folha de S.Paulo em 10 de fevereiro de 2014)
Como foi a jornada das aulas em família para os dias de hoje, e como você fez para escalar as aulas?
No início, havia uma necessidade direta dos meus primos e, quando comecei, percebi o quanto gostava de fazer os vídeos. Comecei com álgebra e gostei disso. Em seguida, passei para a trigonometria. Em seguida, fiz geometria. Acabei por fazer pré-álgebra. O portal continuou crescendo e crescendo, e foi uma das melhores aventuras intelectuais para mim. Eu vi isso como um desafio. Eu não sou um químico, mas entendi química em um ponto. Pesquisei nos livros que usei na escola. Passei para a história.
A empresa se chama Khan Academy e eu meio que fico com vergonha às vezes porque era literalmente quase uma piada. Faz com que pareça uma grande instituição, e não é mais só eu, é claro. Em 2006, o nome era uma espécie de piada, e eu não larguei meu emprego até 2009. Em 2010, nos estabelecemos como uma organização sem fins lucrativos. Em 2010, tivemos nosso primeiro financiamento real da Fundação Gates e do Google. Pudemos conseguir um espaço de escritório e contratar pessoas. Temos mais de 40 pessoas agora. Três quartos deles são engenheiros de software.
Como você mencionou, não posso mais fazer tudo, mesmo pelas coisas que fiz, provavelmente não é o ideal para todos. Queremos outras vozes e outras formas de pensar. Eu me concentrei em trazer novas pessoas com entusiasmo e sensibilidade semelhantes.
(Entrevista à revista Forbes em 6 de janeiro de 2014)
Um outro ponto que a Khan Academy trouxe para o mundo da educação foi o conceito de aulas curtas (já falaremos sobre isso!), e com conteúdos específicos, explicados de forma simples. Você acha que isso foi a inovação?
Na verdade, não. Esse era o modelo da educação há cerca de 200 anos. Mas era um modelo muito caro porque as pessoas tinham mestres individuais, não daria para fazer uma educação de maneira massiva como é feita hoje.
Há, claro, ganhos no novo modelo educacional com professores por áreas do conhecimento ensinando um grupo de alunos. Mas estamos, sim, retomando ideias antigas de educação.
O que temos de novo agora são as tecnologias que nos permitem retomar esses padrões de educação que foram dispensados ao longo do tempo. E temos escala. No Khan Academy nós não estamos falando de um milhão de pessoas, mas sim de dez milhões de usuários que estão no sistema de ensino e que integram o Khan Academy na sua rotina de aprendizado. Isso é inovador.
(Entrevista à Folha de S.Paulo em 10 de fevereiro de 2014)
Grandes universidades americanas como MIT e Harvard passaram a disponibilizar cursos na internet recentemente. Elas foram influenciadas pela proposta da Khan Academy?
A ideia de oferecer educação de graça e em qualquer lugar está relacionada de alguma maneira. A diferença é a maneira como estamos fazendo. Os cursos on-line massivos de plataformas como o edX e Coursera [que trazem cursos abertos de universidades como MIT, Harvard e Caltech] são focados em digitalizar cursos que já existem presencialmente. Ou seja, de colocar on-line algo que já existia.
Além disso, esses cursos têm data para começar e terminar. Estamos mais focados em como prover às pessoas conhecimento. Vamos mostrar para você aonde você precisa ir e você irá, no seu tempo e nas suas condições.
Mas assim como o edX, a Khan Academy está mostrando um caminho para o qual a educação está seguindo, sem fronteiras na internet.
(Entrevista à Folha de S.Paulo em 10 de fevereiro de 2014)
Esse é um ponto legal de se levantar, muitos falam do ensino online como forma de substituir completamente o ensino presencial, mas poucos comentam o quanto os dois podem se complementar…
Se você tem uma aula online interativa, com muita gente participando, ela com certeza é melhor do que uma aula presencial em que o professor passa uma hora falando e todo mundo dorme. A questão é: o que é chato ao vivo se torna ainda mais chato online. É preciso repensar o online. Hoje, por limitações de tempo e espaço, professores dão aulas de uma hora, cinco dias por semana, para turmas de 30 pessoas. Será que não é melhor fazer uma aula de 10 minutos com cinco crianças? É uma interação personalizada, com a ajuda necessária. Ter 10 minutos de atenção de um professor pode ser melhor do que uma hora só de discurso.
Encorajo as pessoas a não pensar nos extremos. Aprendemos a distância há séculos, como com cursos de correspondência. O importante não é pensar na tecnologia como um absoluto, mas sim nos objetivos pedagógicos. A partir deles, dá para entender que ferramentas podem ser usadas. Acredito que o aprendizado não deve ser restrito a tempo ou espaço. Ele deve também estar ligado às necessidades e realidades dos estudantes. Há 400 anos, a nobreza fazia isso com tutores. Isso é muito caro. Mas o online pode ajudar nesse sentido. Acredito que a escola não precisa ser o único lugar onde o aprendizado acontece. Uma instrução inicial sobre um tema, uma aula expositiva, pode ser feita pela internet. E ao juntar as pessoas num espaço físico, é possível ter uma aula mais interativa, o professor pode fazer a tutoria dedicada de um aluno ou um grupo de alunos. Além disso, a internet pode ser útil para explorar interesses ou lacunas: se você quer aprender sobre história russa ou se na sua região não há um bom professor de cálculo avançado, por que não usar um professor pela internet? Enquanto isso, um professor mais próximo pode ajudar a mediar essa relação.
(Entrevista ao Estadão em 11 de outubro de 2020)
Alguns falam que as mídias digitais e o smartphone diminuíram a atenção das crianças, isso, de alguma forma, afeta o formato de aulas online. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Achamos que, como esta geração tem Facebook, Twitter e telefones celulares, eles não têm períodos de atenção. Mas está claro a partir dos estudos que nunca tivemos a amplitude de atenção que o modelo de aula em sala de aula espera dos alunos. Especialmente com assuntos densos, os humanos podem prestar atenção por 10 a 15 minutos antes de se perderem. Você se desloca de volta por oito ou nove minutos, depois se desloca novamente. O zoneamento fica mais curto; o zoneamento fica mais longo. No final da hora, você pode ter coletado 30% do material – ou pode estar totalmente perdido. Isso também tem consequências no ambiente de trabalho. Se as pessoas estão se encontrando, elas não precisam de uma palestra; se você não precisa que eles interajam, as informações devem estar apenas em um vídeo ou um memorando. Na Khan Academy, um efeito colateral dessa abordagem é que criamos uma biblioteca de vídeos que fornecem informações sobre nosso pensamento, para que possamos dizer a um novo funcionário: “Vá assistir”. Fazemos vídeos para o nosso conselho também, para que todos possam ver essa narrativa histórica; então, as reuniões do conselho são principalmente perguntas e respostas interativas
(Entrevista ao Harvard Business Review publicada na edição de janeiro-fevereiro de 2014)
A tecnologia não está tornando as pessoas mais burras. A tecnologia apenas aumentou as apostas do que é preciso para chamar a atenção de alguém. Eu realmente acho que o que a tecnologia está fazendo é isso: está impedindo as pessoas de fazerem coisas chatas.
Mas, no geral, acho que é uma grande oportunidade. E, de fato, todos esses videogames interativos mostraram que as pessoas podem ser cativadas pela tecnologia de uma forma profunda. Portanto, é como um campo aberto para algo como a Khan Academy alavancar o mesmo tipo de ferramentas para colocar coisas no cérebro das pessoas.
(Entrevista à revista indiana Squares, edição 23 em 2011)
Por isso que as aulas da Khan Academy não costumam ter mais do que dez minutos?
Eu me baseio na neurociência. Ela constatou que a janela humana de atenção não dura mais do que esse intervalo diante de alguém que se põe a falar sem parar — à exceção, claro, daqueles discursos extraordinários proferidos por exímios oradores. Agora, se o aluno é incentivado a solucionar problemas, tem metas a cumprir ao longo da aula, precisa interagir com os colegas em busca de respostas e expor seu pensamento, aí pode dar muito certo. Quanto mais interativa for a aula, melhor.
Não há comprovação nenhuma de que a aula precise ter cara de show — uma tentação constante que, no lugar de ajudar, às vezes só serve para tirar o foco do essencial. O que funciona mesmo é pôr a garotada para participar.
(Entrevista para a revista Veja em 31 de julho de 2020)
E ainda tem o ponto de como as pessoas aprendem hoje em dia, mediadas pela tecnologia, qual a sua motivação?
Acreditamos que todo conhecimento deve ser acessível e que deve estar à disposição de todos de acordo com suas necessidades e disponibilidade; acreditamos na aprendizagem personalizada.
Além disso, deve haver uma forma de validar e conectar todo o conhecimento com as oportunidades que existem no mundo.
O que é relevante em nosso modelo não é a tecnologia. O mais importante é o professor, e se existe uma escolha entre a tecnologia e um bom professor, eu escolho o último.
É por isso que temos toda a tecnologia à disposição do professor; a tecnologia é útil se contribui para o serviço que o professor presta aos alunos.
(Entrevista à BBC em 10 de outubro de 2020)
Opa, falou em personalização, falou em dados. Há alguns anos, você fez um TED Talk comentando sobre como os cursos da Khan Academy estavam sendo usados para levantar dados para os professores entenderem como os alunos estavam compreendendo a aula. Fala um pouco mais sobre isso com a gente…
Com a Khan Academy, as crianças podem aprender em seu próprio ritmo. Eles podem pausar uma lição, podem repeti-la, podem voltar e preencher lacunas em seu conhecimento. Você não pode fazer isso em uma universidade. Parte da história da Khan Academy é que nos concentramos fortemente na análise – cada vez que uma criança assiste a um vídeo ou faz um exercício, estamos obtendo dados disso para que possamos otimizar a experiência para outros alunos. Com a concessão do Google, estamos desenvolvendo um software totalmente novo, de modo que, assim que um aluno acertar dez respostas consecutivas, ele passe para o próximo conceito.
A Khan Academy não é apenas uma videoteca – é prática, feedback e avaliação ao mesmo tempo. Na verdade, é idiota fazer avaliações instantâneas. É tão difícil para mim falar com as pessoas na comunidade educacional porque elas não conseguem entender isso. A avaliação não deve ser usada para descobrir o que alguém deve aprender a seguir, em vez de apenas rotulá-lo e levá-lo para o próximo conceito, mesmo que ele não tenha um entendimento completo?
Então, digamos que o pequeno Jimmy tem 12 anos e quer mostrar ao MIT: “Olha, eu sei cálculo, aqui estão meus dados da Khan Academy.” Acho que isso é muito mais poderoso do que dizer: “Tirei A em cálculo.” E há um outro nível que estamos apenas começando a implementar, que é o ensino entre pares. Você aprende mais quando está ensinando aos outros. Você pode obter uma compreensão superficial apenas se preparando para um exame, mas obtém uma compreensão mais profunda quando tem que ensinar e re-ensinar o material, porque outros alunos estão fazendo perguntas a você. Então, se você estiver tendo problemas com um dos vídeos, pode obter ajuda de alguém que está à sua frente na sequência e que se mostrou um ótimo tutor.
(Entrevista à revista indiana Squares, edição 23 em 2011)
Nesse sentido, você imagina a Khan Academy migrando para um modelo de oferecer certificados e microcertificados?
Essa é a minha ideia de como a coisa pode ser daqui a cinco anos: a parte do aprendizado será gratuita, mas se a qualquer momento você quiser demonstrar o que sabe, para ter algo para provar, você terá que ir um centro de teste. E isso vai custar alguma coisa. Digamos que custe US $ 100 para administrar o exame. Vejo que é possível cobrar 150 dólares por isso. E você teria 50 dólares de margem para reinvestir na parte da educação gratuita.
Acho que isso é consistente com a missão. Você reduz o custo do credenciamento de milhares de dólares para centenas de dólares. E também o sistema [de software] avisa quando eles estão prontos. Então, chega de pagar a faculdade para adultos e desistir, ou terminar tudo e dizer “agora eu tenho uma dívida de US$ 20.000 e o que eu ganhei?”
Em vez disso, seria: “Olha, aqui está uma microcredencial de contabilidade básica que posso conseguir por $ 150 e saberei que posso aprová-la antes de investir esse dinheiro.” Isso seria um grande fator positivo para os consumidores de educação e poderia pagar a conta da educação.
(Entrevista ao MIT Technology Review em espanhol, publicada em 25 de novembro de 2012)
Qual o futuro da sala de aula, e qual o objetivo desse espaço físico?
As salas de aula devem servir para otimizar o relacionamento humano. Elas tinham um papel central na educação; eram o lugar onde adquiríamos conhecimento, socializávamos e obtínhamos o nosso desenvolvimento acadêmico.
Hoje, o aprendizado não está vinculado ao tempo e ao espaço. Temos a oportunidade de analisar o que funciona nesse espaço e o que podemos desenvolver fora dele.
Sendo assim, a chave é otimizar o tempo em sala de aula, promovendo o contato interpessoal e, sobretudo, evitando velhas práticas em que um professor dá sua aula enquanto os alunos têm que ficar totalmente calados.
Em vez disso, ele deve elaborar perguntas, fazer os alunos refletirem e se interessarem pelos assuntos, encorajá-los a trabalhar em grupos e a conversar.
(Entrevista à BBC em 10 de outubro de 2020)
E qual o futuro do ensino online?
Penso em como conectar o ensino online com reais oportunidades: por exemplo, se um jovem domina certa área por ter ensinado outras pessoas, isso demonstra que a pessoa tem empatia e boas habilidades de comunicação. Imagino que tanto universidades quanto empresas irão se interessar por isso.
A fronteira em que se permite que pessoas aprendam, e então retribuam ensinando outras, é muito interessante. A habilidade de ensinar se torna a credencial mais valiosa, mais até do que um diploma de ensino médio, ou universitário.
Teremos caminhos alternativos que poderão ser trilhados em paralelo à universidade, ou no lugar dela. As pessoas poderão experimentar, aprender o que precisam e retornar para o mercado de trabalho, além de ter várias formas de demonstrar para empregadores que estão prontas.
(Entrevista à Forbes Brasil em 6 de janeiro de 2021)
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