Ghost Interview
3 palavras, 1 endereço (e 1 CEO)
Ursos, homem jogue. A gente promete que não enlouqueceu com a quarentena (só um pouco), mas essas combinações de palavras é um endereço completo de São Paulo. Quem fez isso foi uma startup chamada what3words que tem um único objetivo: mudar o design da geolocalização para torná-lo mais acessível para as pessoas – e para as plataformas conversacionais. O CEO e cofundador da companhia é Chris Sheldrick e o Ghost Interview é com ele.
A companhia nasceu em 2013 e criou um algoritmo para substituir os números de latitudes e longitudes do mundo por uma combinação de palavras aleatórias. E quando falamos todos os lugares do mundo, são todos mesmo: até pontos remotos da Mongólia. O país, inclusive, foi um dos primeiros a fechar acordo para passar a usar a tecnologia da what3words, afinal, é uma forma de dar endereço a lugares que não tem uma rua e numeração. A Mercedes e a Ford também fecharam acordo com a companhia de Chris e passaram a embutir o sistema nas plataformas de seus carros – de olho no crescimento dos assistentes de voz. No Ghost de hoje, você vai encontrar um pouco da história inusitada da empresa e das suas aplicações em business. Em três palavras: geolocalização. Mobile. Dados. (Essas três palavras também poderiam ser usadas também para dar o endereço das ofertas de Data Insights da Hands).
Chris, afinal, o que é o what3words?
O What3Words é um sistema de endereços globais. Nós dividimos o mundo em quadrados de 3 metros x 3 metros e nomeamos cada um desses espaços com três palavras aleatórias. Então, ao falar as três palavras do seu “quadrado” você estará falando o seu endereço. Um exemplo: filled.count.soap é, literalmente, o endereço do quadrado da nossa porta de entrada da sede do what3words em Londres. (Entrevista ao site Autofutures em 21 de outubro de 2019)
O que levou você a chegar neste conceito do endereço de três palavras?
Na verdade, eu estudei música clássica e eu gerenciei um negócio ligado à música por 10 anos. Como empresário musical, eu acabei viajando por vários países. Foi aí que eu percebi que existia uma grande dificuldade em checar os endereços, já que o meu trabalho era levar os músicos aos eventos e shows nos lugares certos e na hora correta. Foi aí que percebi que havia uma oportunidade de mudar o sistema global de endereços.
Tentamos usar as coordenadas de GPS, com latitude e longitude por um tempo, mas havia muitos erros na hora de digitar e, porque, bem, as pessoas não são muito boas em lembrar números. Existe um esforço para colocar os oito dígitos de latitude, a vírgula e os oito dígitos de longitude. Então eu conversei com um amigo meu que é matemático e perguntei: como podemos comprimir esses números super longos em um formato simples? E foi assim que surgiu a ideia de usar combinações de palavras. (Entrevista no Medium Plug and Play em 27 de fevereiro de 2020)
A what3words foi criada em 2013, ou seja, já existiam dispositivos de GPS e as coordenadas de latitude e longitude, por que você achou as palavras mais simples?
As pessoas não percebem o quanto músicos ficam perdidos enquanto estão indo para shows em lugares que não conhecem, cidades menores. Nós até usamos coordenadas de latitude e longitude na época da banda, e nos ajudava. Mas, uma dia, aconteceu de um músico de uma das bandas me ligar e falar “Chris, não fica com raiva, mas a gente acabou de fazer o ensaio no casamento errado”. Descobri naquele dia que se você trocar o 4 pelo 5 numa latitude/longitude de Roma, você vai parar no Norte da cidade e não no Sul. (Apresentação na Slush 2018 em dezembro de 2018)
Você se juntou a Mohan Ganesalingam (o matemático que comentou lá em cima!) e, bem, como fizeram o sistema? Como optaram pelas palavras? E por que dividiram o mundo em quadrados de 3 metros por 3 metros?Nós começamos criando uma lista de 40 mil palavras, que eram o bastante para, combinadas, darem três palavras para cada quadrado de 3 metros por 3 metros no mundo [existem 57 trilhões desses quadrados de 3×3 no mundo, e 64 trilhões de combinações entre 40 mil palavras].
Nós removemos todas as palavras que soam similar, para não confundir no momento da fala. Por exemplo: “sale” e “sail”. Nós tentamos priorizar palavras que as pessoas achariam fáceis de entender. Em seguida, atribuímos aleatoriamente as palavras a cada quadrado por um algoritmo matemático. Portanto, seu significado não tem conexão com o lugar em si. As palavras são fixadas nesse quadrado e nunca mudam.
Quanto à escolha de usar quadrados de 3m, este tamanho significa que as pessoas que usam what3words podem identificar uma entrada precisa, vaga de estacionamento ou banco de parque. É preciso o suficiente para encontrar o que você precisa, mas requer apenas três palavras. Se os quadrados fossem menores, precisaríamos de muitos mais.(Entrevista ao site Seedlip Drinks em 28 de junho de 2020)
Por mais que você tenha comentado que as palavras tenham sido escolhidas de forma aleatória, existe uma lógica para a escolha delas a partir da localização. Uma coisa que vimos que fazem é que combinações de palavras parecidas (que mudam apenas um plural ou uma letra) ficam em endereços opostos no mundo, para evitar o erro. Houve uma lógica além disso?
Nós colocamos as palavras mais curtas e mais comuns em cidades maiores e cidades pequenas, as próximas “melhores” palavras colocamos em áreas rurais, e as palavras mais longas e estranhas deixamos para o mar, onde é bem improvável que existam usuários. (Entrevista à Wired em 1 de novembro de 2014)
O algoritmo em si ficou pronto em seis meses. Qual foi o desafio a partir de então?
Nosso maior desafio é que nós estamos tentando influenciar uma mudança comportamental. As pessoas têm usado o endereço regular, usando rua e números por todas as suas vidas, sem nem questionar esse hábito. É fácil se perder, os pacotes se extraviam e bilhões de pessoas em todo o mundo não têm nenhum endereço, mas, até que sejam desafiadas a realmente pensar sobre isso, algumas pessoas não sentem inerentemente que há um problema.(Entrevista ao site Seedlip Drinks em 28 de junho de 2020)
Esse desafio acabou levando vocês para um caminho interessante pensando no negócio: das parcerias. O aplicativo de vocês é de graça para os usuários finais, mas vocês monetizam a partir da presença em sistemas de carro e sistemas de GPS, não é?
Percebemos logo de cara que era um pouco mais difícil fazer as pessoas usarem esses tipos de endereço do que a gente imaginava, então, além de lançar o nosso aplicativo, nós trabalhamos para colocá-lo em todos os outros aplicativos, plataformas e serviços de localização. Começamos a fazer acordos com cada pequeno aplicativo, como o Trip-Go entramos com o NaviiMe, e outros pequenos aplicativos. Mas não estava mudando o ponteiro. Então decidimos trabalhar com governo, e o interessante foi que um dos primeiros pitches que fizemos para governos foi para a Mongólia, um país que não estava, exatamente, nos nossos planos de negócio iniciais. Na Mongólia havia problema para os correios para entregas de produtos e cartas, já que há casas em lugares remotos. Ou seja, fazia sentido para eles usar nosso sistema de três palavras para o endereço. Fechamos o acordo com o governo de lá, e acabou dando muito certo: as lojas e espaços colocavam placas com os seus novos endereços. O pessoal da Lonely Planet colocou esses endereços no guia para a Mongólia e isso chamou atenção para empresas globais que começaram a falar conosco. Fizemos parceria com a Airbnb, a Domínio’s Pizzas também veio falar conosco para uma parceria no Caribe – o que tem ajudado pessoas a receber as pizzas quentinhas em partes distantes das ilhas.
O nosso próximo passo foi ir para o segmento de Mobilidade, porque todo mundo nesse segmento quer consertar esse problema dos endereços. Ter que digitar ou falar o endereço completo no sistema do carro, por exemplo, é meio chato. O que acontece quando o carro for autônomo, e você não conseguir dirigir o carro até o ponto em que quer? É um segmento que precisa ser mesmo ultrapreciso. Nós estamos no software da TomTom, nós também estamos na Cabify. Fizemos uma parceria também com a Mercedes. Eles colocaram em seus carros, produzidos com o what3word no seu sistema de navegação, o que ajuda, principalmente, na assistente de voz. E estamos entrando em vários sistemas operacionais de carros. (Apresentação na Slush 2018 em dezembro de 2018)
Quais os outros usos que vocês têm visto do aplicativo?
Algumas pessoas presumem que estamos tentando substituir o endereço de rua, mas não é o caso. Em vez disso, what3words é uma ferramenta adicional para quando os endereços das ruas não são precisos o suficiente. Ele fornece soluções instantâneas para lugares onde não existem endereços – campos de refugiados, por exemplo, e festivais de música. Estamos cada vez mais sendo usados por serviços de emergência no Reino Unido porque, quando uma pessoa cai em uma floresta ou um canoeiro fica preso na margem de um lago, um endereço de rua não vai ajudar os socorristas a encontrá-los.
Um dos primeiros casos que o what3words foi usado como socorro foi algo que me impressionou muito, e me fez ver que o app poderia ser usado para ajudar, de fato, os outros. A pessoa que ligou sofreu um acidente de carro; estava em pânico e simplesmente não conseguia descrever claramente onde eles estavam. Quanto mais ela se esforçava para descrever o local, mais estressada ficavam. O gerenciador de chamadas enviou um SMS com um link para what3words e pediu ao chamador que lesse as três palavras na tela. Em segundos, o serviço sabia exatamente para onde enviar ajuda.(Entrevista ao site Seedlip Drinks em 28 de junho de 2020)
E como a what3word pode ser usada por empresas de entrega?
Um dos maiores problemas para empresas globais de logística é achar uma maneira padrão de localizar e confirmar os destinos de entregas, o que significa que, para a gente, foi um setor bem lógico da gente focar. Os sistemas nacionais de endereço variam de país para país e, muitas vezes, estão longe de ser adequados. Os sistemas de navegação baseados em GPS são consistentes, precisos e fáceis de usar, mas difíceis de entender e sujeitos a erros humanos. Aramex, o gigante da logística global foi um dos primeiros a adotar nossa tecnologia, onde usa o sistema para suas operações de cumprimento de comércio eletrônico. A construção do endereço de 3 palavras é sempre consistente, quer um pacote tenha como destino a costa da África ou o coração da Ásia. E cada endereço exclusivo pode ser usado rastreando o software e os drivers de entrega.(Entrevista ao Lastmile.Zone em 4 de abril de 2018)
Quando pensamos no conversacional, faz sentido o endereço ser falado em poucas palavras. Mas e para drones, por exemplo, como é a aplicação deste tipo de tecnologia?
Conforme a nova tecnologia se desenvolve, a exigência para a precisão total aumenta. Se você pensar em drones e entrega usando drones, um endereço postal não será mais bom o suficiente, porque você terá que especificar se o objeto precisa ser entregue em um jardim da frente ou nos fundos da casa. Estamos começando a ver que os desenvolvedores de software de drone colocando What3words neste estágio bem inicial, porque a ideia de alguém digitar manualmente suas coordenadas de GPS para um drone fazer uma entrega precisa parece difícil. (Entrevista ao site Marketplace em 11 de setembro de 2019)
Por último, queremos falar sobre o uso humanitário da geolocalização precisa. Algumas ONGS têm usado o sistema de vocês para chegar até lugares “sem endereço”, qual a importância de se “mapear o mundo”?
Segundo a ONU, bilhões de pessoas ainda vivem sem ter um endereço. O economista Hernando de Soto disse: “Sem endereço, você vive na clandestinidade. Você pode também não existir”. Estou aqui para contar como minha equipe e eu estamos tentando mudar isso.
Se vocês pegarem um mapa on-line e observarem uma favela no Brasil, ou uma cidade na África do Sul, verão poucas ruas mas muitos espaços vazios. Mas, se mudarem para a visão do satélite, haverá milhares de pessoas, casas e negócios, nesses espaços enormes, não mapeados e sem endereço. Em Acra, capital de Gana, há números e letras rabiscados nas paredes, onde sistemas de endereçamento foram testados mas não concluídos. Mas esses lugares sem endereço abrigam um enorme potencial econômico.
Se os 75% dos países que lutam pelo endereçamento confiável usarem endereços de três palavras, haverá um monte de utilizações muito mais importantes. Em Durban, na África do Sul, uma ONG chamada Gateway Health distribuiu 11 mil placas de endereço de três palavras para a comunidade dela, para que as mães grávidas, em trabalho de parto, possam chamar os serviços de emergência e dizer exatamente onde estão, pois, caso contrário, as ambulâncias costumam levar horas para encontrá-las. Na Mongólia, o correio adotou o sistema, e agora faz entregas nas casas de muitas pessoas pela primeira vez. A ONU está usando isso para marcar fotos em zonas de calamidade pública para que possam prestar ajuda exatamente no lugar certo. Até mesmo a Domino’s Pizza usa o sistema no Caribe, porque não acha as casas dos clientes, mas quer realmente que a pizza chegue enquanto ainda está quente.
Na África, o continente passou na frente das linhas telefônicas para os telefones celulares, desviou dos bancos tradicionais direto para os pagamentos pelo celular. Estamos realmente orgulhosos dos correios de três países africanos, Nigéria, Djibuti e Costa do Marfim, terem adotado os endereços de três palavras, o que significa que seus habitantes têm uma maneira muito simples de explicar onde vivem hoje.
Para mim, o endereçamento de baixa qualidade era uma decepção incômoda, mas, para bilhões de pessoas, é uma enorme ineficiência comercial, que prejudica gravemente o crescimento da infraestrutura, e pode custar vidas. (Apresentação no TED Talk 2017 em 19 de outubro de 2017)
Mais três palavrinhas…
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