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Google, a Microsoft das Nuvens

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Tal qual Friends, algumas histórias dos anos 90 estão tendo um revival em 2021. E, nada melhor do que usar essa sexta-feira fria para deixar a nostalgia fluir um pouco e nos fazer voltar para o tempo da internet discada, do jogo das minas terrestres e da janelinha colorida do Windows (se você sabe do que estamos falando, UFA!). Sim, vamos falar da Microsoft… Mas de um outro jeito. Porque tudo na tecnologia é cíclico, até as tretas.

Browser Wars

A história da Microsoft começa em 1975, mas a nossa começa em 1995: o ano em que Bill Gates lançou seu ousado (e extremamente popular) Windows 95 e Marc Andreessen levou seu ousado (e extremamente popular) Netscape para o IPO. Na época, o navegador de Andreessen, o Netscape Navigator, era uma startup recém nascida e já detinha 70% do market share dos usuários. Nesse mesmo ano, Bill Gates mandou um (agora famoso) memorando para a empresa toda falando: “galera, internet é uma grande onda. A gente precisa surfar nela, ou a gente vai virar obsoleto” (uma tradução nada literal do documento). Quanto mais o Netscape crescia, com a proposta de se tornar o lugar único para pessoas de “todos os devices” (= PCs e Macs) acessarem à internet, mais a Microsoft ficava incomodada. Muito incomodada. A ponto de internamente eles falarem (e aqui a tradução é literal): “precisamos cortar o suprimento de ar do Netscape”. E foi em 1995 mesmo que a Microsoft lançou o Internet Explorer.

1998.

Em 3 anos, o IE passou de um simples programa com logo azul para abocanhar 50% de market share (às custas, obviamente, da Netscape). Nada conta melhor essa história do que esse gráfico em vídeo aqui. Vale lembrar que, enquanto a Netscape tentava se movimentar dentro da sua área de conhecimento, que era a Web, o que significava que eles cobravam as empresas para usar o Netscape; a Microsoft “só” era a dona da P*** toda e passou a oferecer o IE de graça. Mas, honestamente, se isso fosse uma briga simples de browsers, não tinha por que a gente gastar nossos dois centavos com a discussão. A real é que a Microsoft tinha 95% do mercado de usuários de PC do Windows, eles tinham contratos de uso dos seus softwares com todas as fabricantes de computadores e usaram esse poder para pressionar empresas como Intel e Apple a dar “preferência” para o IE em seus produtos. “Eles colocaram o código do IE de uma forma no Windows, que não era possível remover o software sem ferrar com a programação toda do sistema. E isso não era tecnicamente justificável. Não precisava ser escrito dessa forma”, explicou Andrew Gavil, professor de Direito de Harvard. E como a gente sabe disso tudo?! Porque em 1998, o mesmo ano em que a Netscape foi comprada pela AOL (e que o Google nascia), 20 procuradores-gerais norte-americanos entraram com um processo contra a Microsoft, acusando-a de práticas de monopólio no mercado de software. E isso tudo – e mais – veio à tona.

Quebrando janelas

Os procuradores encabeçaram o processo, mas quem acendeu a faísca foram Gary Reback e Susan Creighton, advogados da Netscape. Inconformados com o que estava acontecendo com o software, eles foram atrás de provas para mostrar que a Microsoft estava usando o seu poder de usuários do Windows para forçar seus próprios produtos para o mercado. Aconteceu com a Lotus (quem aqui lembra do Lotus123?), dona de um software rival ao Excel; aconteceu com a WordPerfect, dona de um programa rival do Word; aconteceu com a Sun, dona da linguagem Java. Usando a explicação do próprio Reback, eles perceberam que o valor do Windows apenas crescia com a audiência, e valor aqui não era só monetário, era também em vantagem sobre os pequenos produtores de software: quanto mais usuários o sistema operacional tinha, mais eles tinham o poder de colocar os seus próprios softwares na praça. E, caso a Microsoft quisesse (como ela quis nos casos dessa investigação de 98), ela poderia acabar com pequenos – ou comprá-los, ou seja, controlar esse mercado. O processo gigantesco, que começou em 1998 (“quando eles começaram o julgamento, o corpo do Netscape já estava no necrotério” – falou um amargurado Reback), só foi concluído em 2001 e acabou condenando a Microsoft por práticas anticompetitivas. Num primeiro momento, o governo norte-americano exigiu que a empresa de Bill Gates separasse a sua operação de OS de sua operação de apps e softwares, mas depois voltou um passo, e apenas aceitou que a Microsoft dividisse os dados com terceiros e liberasse os softwares de outros desenvolvedores no Windows, sem preferência para os seus programas próprios. De qualquer forma, o impacto já tinha sido colossal.

“Don’t be Evil”

O jeito com que Gates e a Microsoft lidaram com o processo deu para ambos uma fama de vilões da Disney. Em um dos momentos, quando perguntado sobre quem tinha enviado um e-mail com a sua assinatura para um dos funcionários, Bill respondeu “um computador”. Um movimento bastante Darth Vader de sua parte, o que ajudou a desgastar sua imagem dentro e fora da empresa (alguns dizem que foi esse processo que antecipou a saída de Gates da Microsoft). Essa aura de vilã da Disney também impactou outras empresas que estavam sendo criadas naquele momento. Nascida em 1998, sim, no mesmo ano do início do processo, uma nova empresa tornou o “não seja malvado” o seu lema principal. Para Reback, o Google deveria agradecer o processo antitruste. “Por causa dos remédios antitruste [contra a Microsoft] que o Google existe. Não existe outra razão”, disse em entrevista. De maneira prática, o processo obrigou a Microsoft a fazer uma escolha dolorosa: ou fica no sistema operacional, ou investe em internet. E, bem, se o Windows está aí até agora, mostra qual estrada decidiram pegar. Segundo o próprio Bill Gates, foi o foco no julgamento e nas apelações, que tirou a Microsoft da rota do Mobile. “Eu estava muito distraído”, disse Gates, em uma entrevista anos depois. O vácuo foi preenchido por uma série de empresas além do Google, o Facebook e a Apple tiveram sua parte (e também a Amazon, o Uber, o Airbnb, o Spotify, o Netflix).

O Feitiço se volta contra o Feiticeiro

Yeap, e aqui o jogo vira. Ou melhor, o ciclo faz a sua volta para o começo. Porque, ano passado, tanto o Facebook quanto o Google foram processados pelo governo norte-americano por possíveis práticas monopolistas. “As pessoas costumam dizer que os impérios tecnológicos vêm e vão naturalmente, e citam exemplos como BlackBerry e MySpace. Mas a realidade da indústria é que ela sempre foi monopolizada. Houve a AT&T, depois a IBM, depois a Microsoft. O que temos agora são mercados muito maduros e empresas como o Google, que estão na mesma participação de mercado há anos e não enfrentam nova concorrência há algum tempo”, comentou ninguém mais, ninguém menos, que Gary Reback, o advogado da Netscape. E faz algum sentido a gente olhar para essas empresas pela mesma lente que, lá em 1998, olhamos a Microsoft. Porque, se em 98, a discussão do Internet Explorer contra o Netscape, que detonou tudo, girava em torno de quem detinha 50% do mercado de navegadores, quando chegamos no momento atual, o cenário é que, só nos navegadores, o Google detém 70% de share. Isso sem falar no mercado de buscas, que o Google é o primeiro lugar com 92,2% de share. Já o Facebook ocupa o primeiro e o segundo lugar nas redes sociais mais usadas, por causa do Instagram. A gente poderia citar também a Apple, que não passa por um processo encabeçado pelo Governo, mas que está agora passando por um julgamento por ações anticompetitivas dentro da App Store.

Igual, mas diferente

As similaridades entre o processo do Google e o que rolou com a Microsoft são tantas, que o documento atual cita o caso de 2001 diretamente. Para advogados e especialistas, o processo vai usar muitas das bases abertas pela Microsoft para investigar se a ação do Google dentro do mercado de busca e do mercado de ads está sendo, de fato, próxima ao monopólio. Devemos notar aqui que, diferente do que rolou com a Microsoft, os contratos do Google com fabricantes para tornar o seu buscador apenas focavam em torná-lo o sistema padrão dos aparelhos e não o único sistema (como a Microsoft fez com os navegadores). Ironicamente, e porque o tempo traz essas coisas na cara mesmo, o Google agora usa a Microsoft como exemplo para provar que o serviço de busca não monopoliza. Em um dos posts explicando a posição da empresa sobre o processo, eles mostram como o Edge (o novo IE) deixa o Bing como o buscador padrão, o que mostra que “existe competição no mercado de busca”. Discutir sobre isso, no entanto, pode levar o mercado a um entendimento de como os negócios da Web tem funcionado e, principalmente, como eles podem mudar. No caso da Microsoft, o mais difícil foi provar que um serviço de graça para os usuários podia também ter um caráter de monopólio. No caso do Google, talvez seja possível entender que uma empresa deter vários caminhos dentro do digital e ligar um caminho a outro (você precisa estar logado para conseguir acesso a outras ferramentas do Google, precisa dividir dados com eles para usar até mesmo as ferramentas de concorrentes) pode ser uma forma de domínio anticompetitivo de mercado.

Dividir para conquistar

De acordo com Reback, a ação contra a Microsoft funcionou porque foi feita no momento correto, um pouco antes da empresa deter tanto poder que poderia chegar a outros setores. O que leva o advogado a questionar sobre como, por tantos anos, os reguladores não fizeram nada com relação às aquisições feitas pelo Google e pelo Facebook. “O que estavam pensando quando deixaram o Facebook comprar o WhatsApp? E quando deixamos o Google, que já era a empresa primeiro lugar em tecnologia de mapas, comprar o Waze? E os riscos de quando o Google comprou a DoubleClick, em 2008, por que não foi falado sobre isso?”, pergunta ele. Para o advogado, e para outros especialistas no assunto, porque a questão anticompetitiva não foi levantada durante os momentos de aquisição (onde o regulador, em tese, pode agir de maneira mais dura), a saída no momento, talvez seja pedir a divisão das Big Techs em áreas menores, em que não possam ferir as novas entrantes no mercado.

Microsoft as a Google Strategy

Sundar Pichai, atual CEO do Google, já comentou em algumas entrevistas, e também em um trecho do livro “Measure What Matters”, de John Doerr, que uma das coisas que o encantou no Google foi o momento de transformação que a internet estava passando, da web 3.0, e da possibilidade de tudo que vinha sendo feito via softwares, instalados diretamente em computadores, pudesse ser feito via browser, na nuvem e disponível em qualquer device. Segundo ele mesmo, estava aí a grande oportunidade do Google. E foi por aí mesmo, o Google tem hoje uma nova versão do que foi a Microsoft no passado: sistema operacional, seu próprio navegador, diversas aplicações (softwares) de nosso dia a dia e o canal para distribuir as soluções de terceiros, dentro das suas regras, sejam de acesso aos dados, sejam de pagamento… Em resumo, podemos dizer que o Google de hoje é a Microsoft de 1995, porém, na nuvem. Talvez os órgãos reguladores demoraram para entender, ou mesmo perceber, que os movimentos do Google não estavam apenas num “novo cercado”, a tal da Internet, mas que a cerca havia mudado, e o novo cercado seria basicamente englobar tudo novamente. Se, como falamos acima, nos anos 90, onde ainda se podia pedir pizza por telefone, “o processo obrigou a Microsoft a fazer uma escolha dolorosa: ou fica no sistema operacional, ou investe em internet.”, como hoje, uma empresa como o Google, pode ter os 2? Na verdade, os 3, 4, 5 ou muito mais, dado que os tentáculos do Google de hoje vão muito além dos da Microsoft da época.

Bounce back

E se você acha que o ciclo da Microsoft se encerrou depois que a empresa passou a focar mais nos serviços em nuvem e também no fornecimento de infraestrutura para uma série de devices que não apenas os PCs, saiba que no ano passado, a Slack processou a empresa de Satya Nadella na União Europeia. E por que, vocês perguntam: por quê? Porque a Microsoft tem dado “preferência” ao Teams no lugar do Slack dentro do Windows. Ah, os revivals.

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