Morse News
Ironic: The Big Tech’s Ironies
Isn’t it Ironic?
Lendo o título acima o seu cérebro já deve ter esperado por “Don’t you think?”
E é exatamente isso. No Morse de hoje queremos desabafar sobre o que acreditamos ser um mar de ironias no mundo das Big Techs e, por fim, saber “Don’t you think?”
Se Ironic da Alanis já serviu de inspiração, a versão com o James Corden, do Carpool Karaoke, com as ironias do dia a dia da tecnologia, quase nos fez cantar… quase…Como não achamos a peruca e nem o gorro vermelho, e nossa voz malemal serve para um podcast, por enquanto preferimos poupar vocês da cantoria, mas compartilhamos abaixo a letra que escrevemos e inspirou nossa news de hoje, então dê o play aqui e cante conosco Ironic, The Big Techs Ironies by Morse:
An old company turned tech
It was trying to innovate and died the next day
It’s like becoming digital, while losing its margin
And your own clients, becomes a third party
Is it ironic, don’t you think?
It’s like fan page, with fans to rebuy
It’s a free web that you think you don’t pay
It’s the good advice that you just didn’t take
And who would’ve thought, it figures
All the big techs, faking with privacy
They packed all the data and kissed others goodbye
They waited their whole damn life to take that asset
And as other companies crashed down, they thought
“Well, isn’t this nice?”
And isn’t it ironic, don’t you think?
A little too ironic….
Yes, we really do think!
Back to the news!
Para não parecer que nosso desabafo vem apenas de uma inspiração musical, vamos aqui agrupar, contextualizar e explicar um mar de notícias sobre como o mundo digital vem sendo desafiado por justamente quem deveria estar ajudando a criá-lo. E aí, no final, vocês poderão ter suas próprias opiniões e decidir, se querem cantar conosco 🙂
Obrigado por fumar
Nesta quinta-feira (mais conhecida como ontem), o Congresso dos Estados Unidos chegou um pouco mais próximo de fazer uma lei para coibir um possível monopólio das Big Techs. Um dos comitês do Congresso de lá aprovou um relatório (de 400 páginas) que investiga a ação das companhias grandes de tecnologia com relação aos competidores menores. “Amazon, Apple, Google e Facebook detêm, cada uma, o poder de monopólio sobre setores significativos de nossa economia. Este momento de monopólio deve acabar. Estou ansioso para elaborar uma legislação que trate das preocupações significativas que levantamos”, disse o congressista David Cicilline em comunicado. E, por mais que as companhias se digam tranquilas com o assunto, os números apontam outro cenário. Em 2020, o Facebook e a Amazon foram as duas maiores lobistas de Washington – gastando mais do que as companhias de armas e de tabaco. Segundo o grupo Public Citizen, durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos, as Big Tech gastaram US$ 124 milhões e, na União Européia, gastaram mais 19 milhões de euros em lobby. Façam as contas…. E sim, se tivermos uma regravação de “Obrigado por fumar“, já sabemos qual será a pauta…
Take a Bite (and some bits)
E se é para fazer o cálculo, que tal tirar 30% desse total?! Seja qual for o total. Porque é essa a taxa que a App Store cobra dos desenvolvedores de app. E essa taxa foi o que colocou fogo na Epic Games para processar a Apple por dificultar os aplicativos de criarem, entre outras coisas, sistemas próprios de pagamento para compras in-app. No que a Apple responde: “no coração das exigências da Apple, a Epic Games quer que cada desenvolvedor use seus próprios sistemas de pagamento, mas isso transformaria a App Store em um mercado de pulgas — e você sabe a confiabilidade que você tem em um ambiente desses”. A mordida da Maçã nos aplicativos não parou por aí, pois veio também a mudança do IDFA, o sistema identificador de usuários para ads mobile, substituido pelo App Tracking Transparency (ATT) da própria Apple! Mudança essa que vai começar a desenrolar nas próximas semanas, e não tem ninguém que está 100% pronto do mercado para a mudança. A explicação da Apple para tamanha mudança está no discurso em favor da privacidade dos usuários. O que faz sentido com a narrativa que a empresa tem falado nos últimos dois anos. E também se une com a ideia toda do iOS como um grande walled garden – um espaço que deve ficar ainda mais vigiado e protegido enquanto a empresa busca se lançar para novos hardwares (como o veículo autônomo e os óculos de realidade aumentada).
Regra é regra, mas pode mudar conforme a música…
O Google vem criando várias regras que dificultam o acesso de terceiros a dados e informações de usuários do Android e do Google Chrome. A prerrogativa é sempre a privacidade, mas o ponto é que em alguns casos estão tirando das empresas o direito de perguntar aos usuários se eles gostariam de compartilhar seus dados, ou seja, não se trata de privacidade, mas sim de restrição mesmo… E o mais contundente, e se a preocupação fosse genuína, de não permitir a coleta de dados por aplicativos “externos” que não sejam o sistema operacional em si o que explica o fato de que, nos aparelhos Apple, o Google teve de revisar suas práticas e políticas de privacidade de dados pois estavam ferindo, vejam só, a privacidade de dados de usuários de iPhone… Isn’t it ironic?
O meu é meu, o seu é nosso.
Então seria a Apple a única que pensa que os dados dos usuários devem ficar apenas com o dono do device, ou do sistema operacional? Pelas palavras e posicionamento de Tim Cook, sim. Mas, e na prática? Aí entra a notícia que saiu na semana passada, de que a Apple quer levar um dos apps de seu ecossistema, o Find my Phone, para plataformas terceiras. O app ficará aberto para uso em alguns devices como bicicletas e smartwatches, além de futuramente outros Smartphones. Então, vejamos, outros Apps não podem ter acesso à dados dos devices da Apple, mas ela pode ter, via seu App, acesso aos dados de outras plataformas. Alanis, o que você acha? A little tooo ironic?
Busca Vida
O Google está sendo fortemente pressionado por essas e outras questões. Tudo começou com um, quer dizer três, processos abertos pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos no ano passado. Os processos, dois feitos por procuradores-gerais de estados norte-americanos e um liderado pelo próprio DoJ acusam o Google de deter o monopólio das áreas de search e de ads. Analistas acreditam que, em algum momento, essas três investigações vão se juntar num único “megazord” de processos, não muito diferente do que já aconteceu contra a Microsoft. Dois pontos que chamam atenção nesses documentos: a indicação de que o Google paga alguns bilhões para ser o search da Apple também, o que configura um tipo de dominância desleal no segmento Mobile; e a acusação de que eles atuam em tantas áreas no mercado de ads que acabam prejudicando o setor como um todo. Enquanto se prepara para passar por essas investigações todas, a Big G resolveu demonstrar ainda mais o seu poder no mercado. Desde o ano passado, como falamos acima, a empresa informou que não haverá mais cookies para terceiros no Google Chrome, deixando parte da indústria estarrecida atrás de uma alternativa. Neste ano, a companhia de Sundar Pichai apresentou o sistema alternativo, os Federated Learning of Cohorts (FLoC), mas o mercado está torcendo o nariz, apontando que, não importa o que o Google fale, esse sistema não conseguirá fazer o target das ações tão bem quanto os cookies. No paralelo, algumas grandes adtechs, como a The Trade Desk, estão criando suas próprias ferramentas no lugar dos cookies, no caso da TTD a Unified ID 2.0. Se parece interessante para você, não pareceu tão legal assim para o Google, que já levantou dúvidas sobre a solução e deu a entender que não vai apoiar nada que não seja o FLoC. A cereja no bolo amarelo, verde, azul e vermelho veio do mundo dos apps. Sim, a empresa que está passando por três processos que a chamam de monopolista, como falamos acima, resolveu diminuir o acesso dos apps que usam o Android aos dados; em fevereiro, a Bloomberg informou que o Google já estava pensando em colocar nos novos sistemas do Android algo parecido com o ATT da Apple. Até aí tudo bem, afinal, a privacidade dos usuários passou a ser uma preocupação recorrente das Big Techs, até a justiça australiana descobrir que os apps do Google instalados no Android ainda captam dados dos usuários (principalmente de localização), mesmo se as pessoas digam que não querem que o app use os dados. O que nos lembra das palavras do procurador texano, Ken Paxton, que encabeça um dos três processos contra o Google: “Deixe-me colocar desta forma: se o mercado fosse um jogo de beisebol, o Google se posicionaria como o arremessador, o batedor e o árbitro”.
Tell me, Mark: do you bleed?
E se é para falar de processos, não podemos deixar o Facebook de lado. Zuckerberg passou um ano complicado em 2020. Só nos últimos três meses, dois grandes processos foram abertos contra a rede social nos Estados Unidos, um encabeçado pela FTC (a Comissão Federal do Comércio dos EUA) e outro por 48 procuradores de Estados diferentes. Os dois indicando que existe um monopólio da empresa no mercado de redes sociais e de mensageria. Já tentamos explicar por aqui as diferenças entre esses processos, e até comentamos que um deles pede que o FB se separe do Instagram e do WhatsApp, por considerar que são três apps com uma quantidade muito grande de usuários e que podem estar levando o FB a um monopólio do setor não apenas de Messaging, mas também os que derivam dele como Ads e, mais recentemente, Commerce e Payments. Até aqui tudo bem (ou mais ou menos, né, Mark), até que Mark Zuckerberg entendeu que, deter os apps, sem ter o sistema operacional significa ter um poder falso. E, com uma mudança de canetada de quem detém o sistema operacional, Zuckerberg percebeu que, mesmo com todos os seus muitos mil dólares recebidos a cada minuto, o FB se aproximava mais dos pequenos negócios do que de uma Big Tech no que diz respeito à relação direta que pode ter com seus usuários. Estamos falando aqui, é lógico, da briga aberta que surgiu entre Facebook e Apple por causa da mudança da IDFA. Mais especificamente, do discurso que Mark e outros executivos tomaram quando perceberam o quanto o Face vai perder com uma “pequena” mudança de sistema do iOS: eles passaram a falar dos pequenos negócios. De como os dados ajudam a criar ads personalizados para os pequenos varejistas e como ajuda a “pequenas ideias aparecerem”. Em resumo, o Facebook quis fundamentar sua tese dizendo que o seu negócio é essencial para alavancar oportunidades para os PMEs. Mas quais PMEs? Aqueles que investiram seus poucos dólares para atrair usuários para suas fan pages, com a promessa de terem suas próprias audiências, e depois viram os algoritmos da rede mudarem o jogo com objetivo de buscar mais investimento em troca de visibilidade e relevância… Ou aquelas que criaram páginas no Instagram e agora se veem obrigadas a postar muitas vezes por dia, com a penalidade de perder a relevância se não criar conteúdo como uma influenciadora digital…. Isn’t ironic?
Markphone or SmartZuck?
A discussão entre Facebook e Apple não passou das farpas trocadas em entrevistas, um anúncio nos maiores jornais norte-americanos e falas para investidores. De forma prática, a Apple não mudou o seu posicionamento, mas fez o FB acelerar suas apostas em ter um device próprio. E os processos, como ficam? Pois é, né….
Down under
E, se não bastasse tudo isso que falamos até agora rolando nos EUA, existe o fator Austrália. Ou melhor, o fator mudança da lei de mídias digitais na Austrália, que trouxe à luz um problema real das companhias de jornalismo e de criadores de conteúdo. De maneira geral, o que essa nova lei pede é que as empresas de mídias sociais e tecnologia passem a pagar pelo conteúdo que mostram em seus feeds e páginas de busca. O Google chegou a ameaçar sair da Austrália, o que trouxe de volta até o Bing, não o Chandler, o buscador da Microsoft para a conversa (a Microsoft se disse completamente a favor da regra. Sim, a Microsoft!). O Facebook cortou as notícias de seu feed no país, mas depois fez uns acordos com alguns publishers de lá. Pode parecer um detalhe, mas muitos legisladores estão chamando o que rolou na terra dos cangurus (e aranhas gigantes) de um caminho aberto para criar formas de publishers cobrarem pelo conteúdo, tal qual a GDPR foi para outras leis ligadas à privacidade. Falando na Europa, o Google fez acordo para pagar os publishers na França; o Reino Unido está indo atrás de fazer uma lei parecida; o Canadá (que, sabemos que não está na Europa) também. Bom, aqui, se não for pela lei, acreditamos que a monetização dos publishers acabará sendo uma pauta importante seja por movimentos de outras techs, como Twitter, ou até com um empurrãozinho da…, pornografia… isso mesmo, como falamos no Morse de quarta-feira, no Ghost Interview com o CEO do OnlyFans.
Wikipedia e Yahoo Respostas
Quem nunca fez uma pesquisa no Google e viu que o “pai dos burros” ali no caso não era nenhuma inteligência artificial da Big Tech cruzando dados, mas sim uma “repostagem” de um conteúdo literal da Wikipedia? Sim, muitas das informações que buscamos, acabam vindo da enciclopédia digital da atualidade que resolveu acabar com a festa, não apenas para o Google, mas também para Amazon e Apple que fazem uso dos seus conteúdo, ganham com isso, mas na hora de dividir… E se pensam que apenas a Wikipedia sente essa dor, quantos outros produtores de conteúdo não sofrem com isso… dos pequenos aos grandes, ao verem seus conteúdos preencherem o “Portal” Google ao invés de atrair tráfego para suas propriedades. E, bem, será que o fim do Yahoo Respostas na semana passada não pode dizer nada sobre?
Jeff is in trouble
Eis que chegamos à última “gigante” da newsletter. Foi uma que, até o ano passado, estava tentando voar abaixo do radar das autoridades, crescendo em algumas verticais, mas sempre com o discurso de que estava dando espaço para os pequenos crescerem. Afinal, é o que um grande marketplace faz…. A Amazon estava bem, até surgirem, em abril do ano passado, evidências de que a companhia estava usando dados de vendedores terceiros para dar um up nos produtos de marca própria. O fato levou a um processo grande na Europa – que pode levar a uma multa de 10% da receita total da Amazon do ano de 2019, e também criou uma energia extra para os pequenos varejistas norte-americanos se juntarem. Na semana passada, grupos destes varejistas fizeram uma petição em Washington contra o e-commerce da Amazon, uma das coisas que eles pedem é que Jeff Bezos pare de vender produtos de marca própria no mesmo espaço que abre para outros venderem os seus. Essa é uma questão que, apesar de embrionária, pode botar fogo na relação entre marcas e marketplaces. E não deixa de mostrar uma certa contradição da Amazon, que é tão voltada em entender os dados.
Ironias do destino
Bom, notícias dadas e explicadas e agora, a pergunta; Isn’t it ironic? E aí, vai cantar com a gente?
Ou vai dançar a música que as Big Techs estão tocando; no app deles, nos aparelhos deles, com os seus dados para eles, e sem que outros possam acessar.
PS.: aos nossos queridos amigos que trabalham nas Big Techs aqui no Brasil, não fiquem bravos conosco. Os temas acima estão distantes do dia a dia e não tiram de forma alguma o mérito, a excelência e o brilho do trabalho que executam por aqui, e das conquistas que por aqui tiveram. O tema aqui é sobre algo bem mais amplo e estratégico. E, antes de ficarem chateados conosco, tentem ler novamente o texto acima com o boné de quem está do outro lado, de quem busca inovar no mundo digital mas precisa, além dos desafios do dia-a-dia, enfrentar uma luta desleal com as maiores empresas do planeta. Talvez no final vocês até cantem conosco… mas baixinho, para que Siri, Alexa e nem o Google escutem… 🙂
PS2.: Alanis, não somos o James Corden, mas estamos aqui para gravar a versão 3 de Ironic quando quiser 🙂
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