Ghost Interview
Melinda Gates abre as portas!
Filantropa, co-fundadora da maior organização de caridade do mundo, programadora, head de um fundo de Venture Capital milionário, Melinda French Gates ganhou o espaço e voz em muitas frentes do nosso mercado. Melinda, que anunciou seu divórcio com Bill Gates semana passada, aproveitou os holofotes da mídia e veio ao Ghost Interview contar outras mil qualidades e feitos, além do que muitos já conhecem, ser a esposa (agora ex) do Bill.
Melinda começou a carreira ensinando matemática e programação para crianças e posteriormente foi gerente de marketing da Microsoft liderando o desenvolvimento de produtos multimídias. Em 2000, ela foi a responsável pela criação e gerenciamento da Fundação Bill & Melinda Gates, a organização que investe em saúde, educação e na redução da pobreza no mundo. De 2000 para cá, a Fundação já investiu cerca de US$ 55 bilhões. E para mostrar que Melinda não veio para brincar, no final de 2017, ela fundou a Pivotal Ventures, uma empresa de investimento e incubação de startups lideradas por mulheres. Ou seja, demorou para você saber sobre a sua trajetória, não é?! Mas tudo bem, o Ghost Interview está aqui para isso 🙂
Melinda, você começou a trabalhar na Microsoft em 1987 e, naquela época, você já era formada em Ciências da Computação. Conta para a gente como rolou esse começo de carreira.
Quando eu estava saindo do meu MBA na Duke [Universidade], recebi uma oferta de emprego da IBM, eu tinha trabalhado para eles por vários verões enquanto estava na Universidade. A gerente de RH da IBM me perguntou: “Você está pronta para aceitar nossa oferta?” Eu disse: “Bem, fiz entrevistas em muitos outros lugares, recusei todos eles. Tenho mais uma pequena empresa para a qual vou fazer uma entrevista e então provavelmente voltarei e aceitarei este emprego. ” E ela disse: “Você se importaria se eu perguntasse onde é?” Eu disse: “Bem, é uma pequena empresa chamada Microsoft, em Seattle”. Isso foi em 1987. A Microsoft ainda tinha menos de 1.700 funcionários. Ela disse: “Oh, eu conheço essa empresa. Quer um conselho?” Eu disse: “Claro”, e ela disse: “Se você receber uma oferta da Microsoft, deve aceitá-la”. Ela me surpreendeu falando isso, para falar a verdade, era para ser a pessoa que estava querendo me contratar. Mas ela me explicou melhor. Ela disse: “Como mulher, acho que você se daria muito bem na IBM. Teria uma carreira de sucesso, mas existem níveis aqui que você terá que subir sistematicamente. Em uma startup jovem como essa, se você for tão boa quanto parece, acho que sua ascensão seria meteórica”. E eu pensei: “Uau, que conselho incrível”. Com certeza, fiz uma entrevista na Microsoft e recebi uma oferta de emprego e sabia que deveria aceitá-la.
De fato, ir para a Microsoft mudou minha vida em muitas formas. Mas o que mais gostei de fazer na minha carreira por lá foi a sensação de que eles estavam criando o futuro. E é isso que eu ainda amo quando falo de tecnologia: é o nosso futuro. Esse é o setor que está criando o futuro que a gente quer viver.
(Entrevista ao Geek Wire Podcast em 14 de maio de 2019)
Por aqui, a gente gosta de escutar histórias de sucesso, mas o mais legal é escutar os erros. Tem algum erro que você cometeu durante sua carreira na Microsoft?! E o que você aprendeu com esse erro?
Com certeza foi o Microsoft Bob [apresentado em 1995]. A nossa grande ideia era transformar o desktop em algo que todo mundo conhecia: uma casa. Para escrever, você clicaria numa caneta e num papel, para olhar a data, você clicaria num calendário de parede… E, bem, se você não ficou sabendo sobre esse projeto – ou só ficou sabendo como uma piada – eu não fico surpresa. No final das contas, o programa precisava de uma capacidade de computação muito maior do que os PCs tinham na época e os designers não curtiram o visual. Um crítico comentou que nenhum adulto sério usaria esse programa.
Eu entendi que os flops [fracasso] assim eram parte do processo – de fato, a gente brincava que só dava para ser promovido depois de um erro colossal como esse – mas isso não tornou a experiência muito melhor. Até esse ponto, os meus erros tinham sido menores, em pequenos relatórios de custos. Falhar dessa forma, e tão publicamente, foi uma experiência nova.
(…)
Mas, enquanto eu apresentava o projeto – e já sabia que ele era um flop – eu entendi porque a gente sempre fazia a piada de que a falha grande levava à promoção dentro da empresa. Porque o erro dá uma chance para a gente parar tudo, aprender e escolher uma direção nova e melhor.
Ah, um outro negócio sobre o Microsoft Bob: nós obviamente matamos o projeto, mas algumas das suas features acabaram indo para produtos da Microsoft depois. E qual o mais estranho que sobreviveu? A fonte Comic Sans. Sim, de nada.
(Artigo publicado em sua página do LinkedIn em 7 de outubro de 2017)
De uma empresa de tecnologia, você foi ajudar a montar e liderar a Fundação Bill & Melinda Gates, que “só” tem o objetivo de diminuir a pobreza e a desigualdade no mundo. Mesmo assim, você ainda é uma pessoa super privilegiada, que está na lista de maiores bilionárias do mundo. Como reconciliar esses dois lados?
É algo que eu ponderei muito. Não há nenhuma explicação de como você chegou a esta situação de privilégio. Simplesmente não há nenhum. Mas eu passo muitas horas acordada, quando não estamos em uma pandemia, viajando e conhecendo outras pessoas e fazendo o que eu chamo de deixar meu coração quebrar. Eu trabalhei na casa de Madre Teresa para os moribundos. Eu dormi em fazendas de pessoas na África. Eu faço meditação todas as manhãs e tive dias de lágrimas pensando em pessoas que conheço que perderam um ente querido. É ir para aqueles lugares onde seu coração realmente dói por todos, não apenas pelo seu próprio sentimento de perda.
E então eu choro muito, e então eu volto e digo: “Como faço para pegar o que essa pessoa compartilhou comigo e o que aprendi, e como faço para colocar isso de volta no trabalho para tentar tornar o mundo melhor, ou para convencer um líder global de que eles deveriam dar mais dinheiro para a malária, ou preocupar-se com as pessoas recebendo uma vacina no outro lado do mundo, ou se preocupar com uma criança que não recebe uma educação adequada em certas cidades dos Estados Unidos? ” Eu apenas tento lembrar constantemente que é um privilégio.
(Entrevista ao NY Times em 4 de dezembro de 2020)
Nesse sentido, como a inovação pode liderar a diminuição dos problemas globais como pobreza e risco de saúde?
Em alguns lugares, “inovação” muitas vezes significa encontrar uma maneira melhor de fazer as coisas. Mas, nos países em desenvolvimento, pode significar encontrar uma maneira de fazer as coisas.
Por exemplo, em países como os EUA ou o Reino Unido, um telefone celular oferece uma maneira melhor e mais conveniente de se comunicar. Mas em partes remotas da África e da Ásia que nunca tiveram telefones fixos, os telefones celulares são ainda mais transformadores.
E, por mais revolucionário que seja falar ao telefone, a tecnologia móvel está permitindo muito mais do que apenas comunicação. Em lugares onde as pessoas não têm acesso a um banco, os serviços financeiros móveis estão conectando as pessoas às suas primeiras contas bancárias e tornando o caminho para sair da pobreza um pouco menos íngreme.
Como você provavelmente pode perceber, acredito piamente no potencial transformador da tecnologia e acredito que ela pode ser usada para quebrar as barreiras da desigualdade. Na melhor das hipóteses, a tecnologia democratiza o poder.
Mas também acredito que, se queremos que a inovação tecnológica faça jus ao seu potencial, temos que garantir que todos tenham acesso a ela. Se a tecnologia é apenas para uns poucos privilegiados, ela concentra o poder nas mãos de quem já a possui.
(Entrevista ao ThoughtEconomics em 2 de maio de 2019)
Ainda sobre essa ligação entre tecnologia e realidade: o que te incomoda sobre como o setor de tecnologia lida com os problemas do mundo?
Uma coisa que me incomoda é que, mesmo quando estamos falando dos maiores problemas do mundo, o mundo tech ainda tem essa ideia de que a solução é dar um app para alguém. Bem, um app não vai mudar tudo. Eu amaria ver esse setor pensando em tecnologias e inovação para todo mundo. E menos: “nossa, vamos criar um produto para rastrear o meu cachorro” – isso é legal e divertido, mas, espera lá, tem gente morrendo no mundo!
(Entrevista ao New York Times em 15 de abril de 2019)
Quando eu penso em ciência, eu não penso apenas nas ciências “duras”, com números e fórmulas, mas na ciência social. São duas áreas que precisam casar quando falamos de tecnologia. Porque você pode ter a melhor tecnologia no mundo, mas se ninguém topar usar ou ninguém entender porque é importante usar, então essa tecnologia vai acabar numa prateleira, cheia de pó…
(Entrevista ao Geek Wire em 11 de fevereiro de 2017)
Indo para a outra ponta: o que você aprendeu na Microsoft e no mundo tech que você usa bastante no dia a dia da Fundação?
Aprendi que você tem que ser capaz de medir as coisas. Você pode obter dados sobre quantas vidas são salvas, quantas pessoas estão obtendo acesso a anticoncepcionais ou vacinas e só aí você pode tomar decisões estratégicas.
(Entrevista à Harper’s Bazaar em 11 de agosto de 2014)
A Fundação Bill & Melinda Gates adotou a metodologia dos OKRs, do John Doerr – e que é usada no Google. Então, fala um pouco mais sobre a sua visão dos dados para a Fundação.
O que fizemos para o mundo foi um grande trabalho de reduzir o número de mortes de crianças com menos de cinco anos, e isso é devido, basicamente, às vacinas que finalmente foram lançadas, e às redes de proteção para combater o mosquito e consequentemente a malária. E esta é a grande vantagem da matemática e por que os dados são tão importantes. Não apenas o Bill gosta de dados; Eu sou uma cientista da computação. Gosto de dados porque eles nos dizem para onde ir e como agir.
(Entrevista à CBS norte-americana em 5 de março de 2017)
Mulheres em tech, você já fez alguns artigos falando sobre a inclusão das mulheres no mercado de trabalho como um todo. Em um deles, você até comentou sobre como demorou para começar a perceber que havia uma questão a ser resolvida. Qual a sua visão sobre o papel das empresas de tecnologia para aumentar a igualdade de gênero?
Eu acho que às vezes, não em todos os lugares, mas às vezes as empresas de tecnologia nos dias de hoje acham que empoderar as mulheres é uma coisa legal de se fazer, mas não fazem isso para realmente ajudar a impulsionar e apoiar seus negócios. E se eles estão vendo isso como uma coisa legal de se fazer, estão apenas colocando um band-aid no problema. Se houver entendimento, de fato, do que é fundamental para o sucesso das mulheres, elas vão realmente assumir e fazer a mudança. E o que é medido é o que é feito. E acho que a pressão pública que está sendo colocada sobre a indústria de tecnologia para medir e ser transparente, está ajudando.
(…)
Existem muitos caminhos para aumentar o número de mulheres em tecnologia. E a gente tem que investir nesses muitos caminhos. Um deles é o de tornar a entrada de jovens mulheres e jovens mulheres negras em cursos como o de ciência da computação. Também precisamos investir no colegial e na escola, para que mais e mais meninas se sintam atraídas a trabalhar nessa indústria. Isso pode começar a mudar o ecossistema, mas leva um tempo.
Para tudo isso funcionar, precisamos que os homens aceitem entrar nessa jornada com a gente. Precisamos de aliados!
(Entrevista à revista Wired em 9 de maio de 2019)
E com relação às mulheres negras, asiáticas, como trazer essa inclusão para a indústria?
Eu acho que você precisa dar voz para as mulheres negras na mesa, para dizer quais são as tensões que elas estão submetidas, exclusivamente. Quero dizer, as mulheres negras representam mais da metade de nossa força de trabalho de cuidados diretos – mais da metade . Portanto, elas têm que estar presentes em termos de ajudar a projetar as soluções que podem funcionar e explicar quais são as tensões únicas em seu ambiente.
(Entrevista à Forbes em 11 de maio de 2020)
E você criou a Pivotal Ventures, que investe e faz aporte em empresas lideradas por mulheres. Conta para a gente sobre o que a Venture faz?!
Eu acredito fortemente na inovação, mas tem sido incrivelmente decepcionante ver como poucas empresas lideradas por mulheres estão sendo financiadas. Ultimamente, se queremos mais inovação e produtos melhores, precisamos investir mais dinheiro nas mulheres e nas minorias. Isso não estava acontecendo, então eu decidi intervir e ver como eu poderia ajudar um pouco nesse cenário.
Estou analisando, especificamente, fundos que existem em negócios liderados por mulheres e minorias. Essa líder já fez isso antes? Como ela pensa quando se trata de negócios? Quais foram os melhores trabalhos produzidos? Ou se eles estão surgindo, por que eu deveria me arriscar um pouco mais nessa situação? O que diferencia essas gestoras que me faz pensar que ainda terei um grande retorno sobre meu dinheiro – porque me importo muito com isso – mas também, acredito que elas vão encontrar algumas ideias novas que outros não têm e é isso que eu procuro.
(Entrevista à revista Fortune em 30 de maio de 2018)
E, de maneira prática, como você acha que as empresas de tecnologia podem diminuir o gap da diversidade?
Para o setor tech, não tem uma bala de prata, mas eu diria que é absolutamente necessário que as empresas se certifiquem que há pelo menos uma mulher na mesa de todas as reuniões. Não apenas uma mulher. Muitas mulheres. Mulheres não podem agir em nome de outras. Quer ter produtos mais criativos? Quer ter acesso a um mercado maior? Você deve ter mulheres nas mesas, decidindo sobre o produto. Também indico que a empresa se certifique de que está promovendo tanto homens quanto mulheres, de maneira igualitária. E também se está pagando os dois profissionais de forma igual. Basicamente, se a empresa está agindo da mesma forma que fala. E, com honestidade, se as empresas não alcançarem essas novas exigências do momento, vão ser passadas para trás.
(Entrevista ao Geek Wire Podcast em 14 de maio de 2019)
O que significa ser uma pessoa de sucesso para você?
Saber que uma pessoa foi capaz de respirar melhor porque você viveu. Para mim, isso é sucesso.
(Entrevista à CBS norte-americana em 5 de março de 2017)
Otimismo também é uma parte integrante tanto da Fundação, como do seu trabalho. O que é otimismo para você? E como a gente faz para encontrar no nosso dia a dia?
O otimismo para mim não é uma expectativa passiva de que as coisas vão melhorar; é a convicção de que podemos tornar as coisas melhores – que qualquer sofrimento que virmos, não importa o quão ruim seja, podemos ajudar as pessoas, se não perdermos a esperança e não desviarmos o olhar.
No decorrer de suas vidas, sem nenhum plano de sua parte, você verá um sofrimento que partirá seu coração. Quando isso acontecer, e acontecerá, não se afaste; vire e encare essa situação. Esse é o momento em que a mudança nasce.
(Discurso para formados da Universidade Stanford em 15 de junho de 2014)
Qual o conselho que você daria para você mesma mais jovem?
Eu dizia a mim mesma: Você terá sucesso por causa de quem você é, não apesar disso. Na Microsoft, especialmente nos primeiros dias de minha carreira, às vezes eu sentia muita pressão para me encaixar – a maioria dos meus colegas era do sexo masculino, a maioria de nossos chefes era do sexo masculino e o ambiente era difícil. Eu poderia jogar aquele jogo, mas não gostei. Eu gostaria que alguém tivesse me dito que eu não precisava. Eventualmente, descobri por conta própria que poderia parar de tentar ser como todo mundo e me concentrar em ser a melhor versão de mim mesmo.
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