Fintech & Futuro do Dinheiro

Um VAR do PicPay e Guiabolso

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Inspirados pelas Olimpíadas e pelas muitas medalhas brasileiras nos últimos dias, resolvemos trazer para o mundo dos negócios algo comum das transmissões dos esportes: o famoso tira-teima ou o VAR. Ok, sabemos que por aqui a gente curte mesmo é falar de futuro e de tendências, mas, como no esporte, tem hora que olhar para trás faz com que a gente entenda melhor o que está por vir. No caso, escolhemos um lance que chamou atenção do mercado na última semana: a aquisição do Guiabolso pelo PicPay.

Fintech, do you speak it?

Coincidentemente, o Guiabolso e o PicPay foram criados no mesmo ano. E, mais coincidentemente ainda, foi em um ano de Olimpíadas: 2012. A ideia do Guiabolso era até “simples”: levar as planilhas de controle financeiro para todos; na época, os fundadores descobriram que menos de 2% dos brasileiros faziam tal controle. Para viabilizar isso, no entanto, foi uma pequena pista de obstáculos. Já que tinham que achar uma forma de captar as informações de todas as contas bancárias e de cartões de crédito de uma pessoa, para colocarem em uma plataforma só. A saída que eles encontraram foram as APIs, ou “Application Programming Interface”, para conseguir consultar as contas dos usuários em bancos diferentes e consolidar as informações de maneira automática. Segurem essa informação, porque ela será importante daqui a pouco.

Quero só ver

O crescimento do Guiabolso rolou depois do lançamento de seu aplicativo, em julho de 2014. Até 2021, um pouco antes da aquisição, o app tinha 6 milhões de usuários ativos. E aqui temos que comentar que esses usuários toparam dividir o dado mais sensível que eles possuem: as senhas de contas dos bancos. Tudo com a premissa de que encontram, no Guiabolso, um espaço para entender e analisar seus gastos. Uma forma diferente – e mais otimizada – de se ter acesso aos seus dados, que estão separados em vários lugares. Reciprocidade na veia. Mas nem tudo foram flores e medalhas nessa jornada. Isso porque os bancos começaram a se sentir incomodados que o app estava ali, comparando as contas diferentes. O Bradesco chegou a processar o Guia em 2015, numa disputa que o grande banco deixou de lado em 2020, depois do caso chegar no Cade – que, inclusive, multou o Bradesco em alguns milhões, por considerar que, ao impedir que as informações de seus clientes fossem para o app, também estava criando um bloqueio para a competição no setor. Pula para o começo de 2021, quando o Banco Central começou a implementar o open banking no país. Pois bem. Vocês lembram das APIs que o Guiaboloso teve que criar para poder captar os dados de cada banco para poder ter o visualizador em sua plataforma? Pois então, elas mostraram que é possível ter um intercâmbio de dados de bancos em prol dos usuários. E assim, se criou a base para o open banking. Thiago Alvarez, um dos fundadores e atual CEO do Guiabolso foi, inclusive, chamado para ser um dos advisors do projeto de open banking no Brasil.

Medalha de Ouro

Do outro lado dessa operação, está o PicPay que, desde sua fundação, mudou um pouco de cara, mas se manteve com a mesma proposta: ser uma carteira digital completa. Por mais que a gente queira voltar toda a história e falar dos últimos nove anos – inclusive aqui comentando sobre como a operação da empresa deu um grande empurrão para o Pix – a real é que o que definiu muito os passos que a PicPay está tomando agora foram os últimos 18 meses. Porque foi no “curto” espaço de tempo entre janeiro do ano passado e abril deste ano que eles foram dos 20 milhões de usuários para os 50 milhões de usuários. Quando a plataforma chega nesse patamar, é natural pensar em próximos movimentos estratégicos. No caso da PicPay foram alguns, preparar a papelada toda para tentar abrir capital lá na Nasdaq, aumentar o número de features de mensageria dentro do aplicativo, bem como segmentar o caminho para um serviço de crédito próprio e também para a criação de um marketplace – de produtos e serviços. Tudo isso com o objetivo de manter os usuários habituais no aplicativo por mais tempo (mais conhecido como: a tática dos SuperApps).

PicPay quer ser o WeChat

No meio do caminho, tanto o Guia quanto o PicPay perceberam que, se há um ouro escondido no mercado deles, é o de criar um ecossistema, Não é à toa que, no começo do ano passado, o novo CEO do PicPay, José Antônio Batista, afirmou com todas as letras: queremos ser a primeira Big Tech brasileira. “O PicPay será o WeChat do Ocidente”. Eles chegaram a essa meta ambiciosa depois de perceber que o negócio que eles tinham superava o setor financeiro e poderia crescer seus tentáculos para fora do transacional (ironicamente, já temos falado como as Big Techs estão fazendo o caminho contrário, indo atrás do transacional, mas isso fica para um outro tira-teima). O Guia já estava no caminho para ter seu marketplace de serviços financeiros, já que, com as informações que eles tinham, eram capazes de entender bastante bem a vida financeira dos seus usuários – o que vale muito para empresas que emprestam dinheiro ou, até mesmo, vendem imóveis (parada aqui para lembrar da Loft comprando a Credpago).Com essa aquisição, o PicPay corta caminho no seu objetivo de se tornar um grande marketplace financeiro, adicionando marcas como BV, Órama, Creditas, Digio, Icatu, que estão plugadas no Guiabolso. E, assim, se a gente for pensar no pessoal das fintechs, pensar em termos de marketplace começou a ser bastante atrativo. O Inter criou o seu marketplace, que já faturou mais de R$ 1 bilhão no último ano e, nos últimos meses, acoplou uma solução de delivery a esse espaço. E, nessa semana mesmo, o CEO da Elo contou que migrar para o segmento de soluções digitais e criar um marketplace próprio “é questão de sobrevivência”.

Data, data, data

Com essa sincronia toda, a aquisição não foi tanto uma surpresa. Na verdade, fez todo o sentido. Principalmente quando a gente pensa em outra parte de “ouro” (ou seria “de petróleo”) do mercado: os dados. A capacidade de análise e os dados que o Guiabolso já possui pode acelerar ainda mais o passo do PicPay na consolidação de seu marketplace. Como explica o CEO do Guia, Thiago Alvarez: “Uma coisa é você ter os dados dos usuários, outra coisa é saber refinar e trabalhar com eles”. Para Eduardo Chedid, vice-presidente de serviços financeiros do PicPay, os dados ganharão tempos preciosos para o app, que vai acoplar o produto em seu app em poucos meses. Existe também o lado do usuário e da própria mudança do open banking nessa história toda: afinal, com o open banking, os usuários serão os donos dos dados bancários, o que significa que são agregadores como o Guiabolso que irão deter parte importante do relacionamento das financeiras com os clientes. Não é à toa que a XP comprou a Flipper, por exemplo, que agrega informações de diferentes contas de investimento. Para o PicPay, Chedid conseguiu explicar muito bem o que o app de consolidação pode trazer – no contexto do open banking: recorrência. “O usuário poderá ter a jornada toda dele no nosso app”, acrescentou ele. Olha lá, a tática do SuperApp aparecendo novamente.

Marketplace: Dados, Contexto e o Cliente

A vontade de diversos players em se tornar um SuperApp ou um Marketplace é algo que já falamos muito por aqui, e acho que está bem claro mercado afora. Porém, um ponto importante, e interessante, da aquisição do Guiabolso pelo PicPay deve ser levado em conta para empresas que estão nessa jornada. Muitos players estão entrando nessa olhando para o umbigo, ou seja, “temos diversos clientes em nossa base de usuários, por que não monetizar essa base oferecendo novos produtos e serviços através de um marketplace”? Pois bem, mas será que o seu cliente vai querer comprar esses produtos e serviços através do seu Canal? Por quê? Qual a vantagem para eles? No exemplo do Guiabolso, o PicPay passa a ter como vantagem um serviço para seus Clientes que vai ajudá-los a identificar a necessidade de produtos financeiros adequados à sua situação financeira, ou seja, criar a demanda já dentro do seu ecossistema; contexto. E o seu Marketplace, ele tem uma razão ou benefício para o seu cliente? Ou ele está “apenas” com uma nova forma de sua empresa monetizar sua base de Clientes?

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